terça-feira, 26 de agosto de 2014

Post nº 81

O  IMPERADOR  QUE  DESFILOU  PELAS  RUAS  COMO   PALHAÇO  ANTES  DE  SER
EXECUTADO

Moedas com efígie de Johannes cunhadas no seu curto reinado (425-26 DC). De todos os imperadores
romanos, ele, Vitellius, Heliogabalus e Maximus foram os que tiveram morte mais infame


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Em 423 a imperatriz Galla Placídia, viúva do ex-imperador adjunto Constâncio, foi expulsa da Corte imperial em Ravena por seu irmão o imperador Honório. Comentava-se que após a morte de Constâncio ela tentara forçar o irmão a adotar como herdeiro e sucessor o seu filho Valentiniano de apenas quatro anos de idade e isto irritara Johannes, secretário de Honório e verdadeiro governante civil do Império. Em consequência, Placídia foi expulsa e exilada em Constantinopla.

O imperador Honório reinou por 30 anos mas nunca governou coisa nenhuma, pois era um idiota enfermiço que deixava tudo na mão dos seus incompetentes e corruptos assessores. Na verdade Honório não tinha capacidade para distinguir ou julgar da competência ou honestidade de quem quer que fosse.

Durante o seu incompetente reinado, de 395 a 425, Roma foi tomada e saqueada pelos Godos em 410 e o Império só não se esfacelou antes ou depois porque teve a sorte de ter no comando do exército competentes generais como Stilicon, Constâncio, Bonifácio e Aécio, sendo que Constâncio chegou a ser seu cunhado e imperador adjunto. Porém passou pouco tempo no cargo, pois morreu subitamente dois anos antes de Honório.

Durante o reinado do incompetente Honório os aguerridos Godos conquistaram e saquearam Roma 

Em 425 os romanos receberam a notícia de que o imbecilizado Honório finalmente morrera e souberam com estupefação que o burocrata Johannes proclamara-se imperador com o apoio do ilustre patrício Castinus, usurpando o trono do herdeiro legítimo Teodósio II, imperador Romano do Oriente e sobrinho do falecido imperador do Ocidente.

Johannes era um burocrata astuto e sabia muito bem que o distante Teodósio nada poderia fazer contra a sua usurpação desde que tivesse a seu favor um poderoso exército, por isso escreveu a todos os altos comandantes militares das províncias fronteiriças, onde se concentrava o grosso das legiões, pedindo o seu apoio. Quase todos evitaram comprometer-se com o secretário usurpador e responderam que eram militares profissionais que não entendiam nada de política e não queriam envolver-se em assuntos fora da sua alçada. De qualquer forma, disseram-lhe que não se opunham à sua pretensão e o serviriam nas mesmas funções, tal como serviriam a qualquer outro governo que fosse legitimamente aceito.

A única exceção foi o general Aécio, que após alguma reticência prometeu auxiliá-lo com um exército de cavaleiros hunos, pois vivera como refém entre eles por vários anos e construíra sólidos laços de amizade com os líderes dessa tribo guerreira estabelecida onde hoje é a Hungria. Contudo há dúvidas sobre a sinceridade de Aécio porque ele nada fez de concreto para sustentar Johannes no poder, ausentando-se do palco dos acontecimentos sob o pretexto de que iria buscar pessoalmente o exército huno que prometera e ficando fora por vários meses enquanto a situação do novo imperador deteriorava-se.

Porém Johannes entendeu as dúbias declarações dos demais generais como sendo apoio tácito e exibiu as cartas aos comandantes das fracas guarnições da península italiana, deles recebendo a peso de ouro o apoio militar de que tanto necessitava. Mas o conde Bonifácio, comandante do poderoso exército do norte da África, foi radical e o informou que se não estivesse ocupado com uma grande revolta dos berberes marcharia sobre Ravena para destronar o usurpador.

O prestigioso general Bonifácio era rival do general Aécio e posicionou-se contra
Johannes a favor de Teodósio

Mas fosse pela falta de algo melhor, fosse porque estavam motivadas por substancial gratificação, as tropas metropolitanas aclamaram Johannes imperador em praça pública e ele continuou o seu curto reinado que terminaria em humilhação e tragédia. 

Não obstante a ausência de Aécio e a oposição de Bonifácio, ele formou meia dúzia de legiões pagando largas somas aos soldados, e preparou-se para lutar contra as tropas de Teodósio II, legítimo sucessor do seu tio Honório no trono do Ocidente. Para os altos chefes militares tanto fazia um como o outro, pois ambos eram corruptos e incompetentes, incapazes de fazer face aos problemas que o Império enfrentava. Na verdade, os mais importantes generais estavam esperando que Bonifácio apresentasse sua candidatura para apoiá-lo, pois se tratava de brilhante oficial muito popular entre as tropas, com enorme prestígio na aristocracia romana e no alto clero da Igreja por sua devoção e amizade com Agostinho, bispo de Hipona e eminente filósofo católico, considerado santo por muitos. Mas quando ficou claro que Bonifácio não se candidataria, pois se posicionara firmemente em favor de Teodósio, os comandantes resolveram continuar neutros e silenciosos.

Pouco depois foram surpreendidos com a notícia de que uma tempestade afundara a frota do Império do Oriente, afogando o exército mandado por Teodósio para combater Johannes, e este aprisionara o general comandante que sobrevivera ao desastre. Isto fortaleceu a posição do usurpador e ela seria segura se na mesma época não viesse a novidade ainda mais surpreendente de que a viúva Placídia conseguira do seu sobrinho Teodósio o que não conseguira do seu irmão Honório: a abdicação do trono do Ocidente em favor do menino Valentiniano, então com seis anos de idade. Para completar, Teodósio nomeara Placídia regente na menoridade do filho!

Todos acharam que se tratava de uma piada, pois não viam como poderia uma mulher assumir o trono naquela difícil situação e governar um império em guerra civil, atacado pelos bárbaros por todos os lados. A pergunta que se fazia era como seria possível Placídia retirar Johannes do poder e assumir o trono, pois ele estava firme em Ravena, possuía o controle da administração da Itália e tinha ao seu lado um exército de aderentes dado a catástrofe que se abatera sobre a frota e as tropas de Teodósio. Ademais, ela estava a centenas de milhas em Constantinopla, não tinha apoio popular e não dispunha de tropas dispostas a lutar pelo seu direito. Mesmo o fervoroso apoio de Bonifácio de nada lhe servia, pois ele estava às voltas com a rebelião dos berberes na África e não podia deslocar um único soldado para combater na Itália. Somando as coisas, tudo que Placídia tinha era um decreto de Teodósio transferindo-lhe um trono que não possuía, o que causava risos nas pessoas, certas de que ela fazia o papel do otário que comprara algo que não existia.

A imperatriz Galla Placídia e os seus filhos Valentiniano e Honória

Porém as dúvidas na época mostram que os seus contemporâneos ainda não conheciam a mulher de ferro que ela era. Sem perder a calma, Placídia levantou grande soma de dinheiro e mandou agentes secretos à Ravena para contatar os generais de Johannes e suborná-los para que mudassem de lado. Ademais, ele cometera o erro fatal de ao invés de meter no cárcere o general de Teodósio aprisionado o mantivera imprudentemente em confortável prisão domiciliar onde recebia visitas e contatava partidários, conspirando contra o seu captor quase que abertamente. Assim, o general prisioneiro avalizou o acordo de Placídia com os generais traidores e foi o fim do breve reinado de Johannes.

O poderoso burocrata imprevidente que ousara desafiar as instituições tivera a má sorte de tornar-se inimigo de Placídia logo depois que ela enviuvara de Constâncio e movera céus e terras na tentativa de fazer o amalucado imperador Honório reconhecer como herdeiro o seu filho órfão Valentiniano de apenas quatro anos de idade na época. Apesar de todos os agrados e carinhos com os quais procurara conquistar o favor do irmão, este não se abalara e preferira ouvir as sórdidas intrigas do seu secretário Johannes, o qual fizera espalhar por toda a capital o maldoso boato de que a ambição e a indecência de Placídia não tinham limites, pois para fazer do menino Valentiniano imperador ela era capaz até mesmo de seduzir o irmão idiota e com ele manter relações sexuais incestuosas. Suas excessivas demonstrações públicas e privadas de “amor doentio” pelo irmão mentalmente enfermo não poderiam ter outro significado senão este.

Habilmente, Johannes fizera com que os boatos por ele mesmo fabricados chegassem aos ouvidos do quase demente Honório, altamente devoto e que muitos diziam ser casto, contando-se como piada que ele era o único homem na face da terra que enviuvara duas vezes de esposas que morreram virgens. Em pânico, ele procurara o seu íntimo auxiliar e conselheiro Johannes para dizer-lhe que estava horrorizado com a “enormidade do pecado” das intenções da irmã Placídia, das quais jamais suspeitara e jurava inocência, vendo com terror demoníaco a infame possibilidade de que as pessoas pudessem acreditá-lo capaz de cometer tamanha aberração, como era o caso do sórdido “crime de incesto”, por si só suficiente para condená-lo às eternas chamas do inferno! Em tão terrível situação, o que lhe aconselhava o seu “fiel amigo”? Hipocritamente Johannes mostrara-se chocado e, após manifestar sua solidariedade ao devoto imperador, disse-lhe que o melhor modo de afastar as acusações seria eliminar a sua causa, expulsando Placídia e exilando-a com os filhos na Corte do seu sobrinho Teodósio II em Constantinopla. Com essa medida o mal seria cortado pela raiz e o povo veria que o virtuoso imperador nada tinha a ver com a torpeza da irmã, tanto que a expulsara e exilara. Em breve tudo seria esquecido e poder-se-ia respirar de novo ar puro na Corte, pois “longe dos olhos longe dos pensamentos”!


O imperador Honório era um completo imbecil, pois se ocupava mais com as aves do
galinheiro do palácio do que com os negócios do Império

Em nome do imbecil Honório, o pérfido burocrata agira imediatamente. Placídia foi presa em seus aposentos no palácio e posta sob forte guarda. Antes que a notícia se espalhasse, ela e os dois filhos pequenos foram embarcados na calada da noite em um navio militar com destino a Constantinopla levando somente bagagem leve e acompanhada por modesta comitiva de apenas uma dúzia de serviçais e damas de honra. Embora formalmente bem recebida na Corte do sobrinho, ela foi tratada pela nobreza com o desdém que sofrem os poderosos quando subitamente decaem de suas antigas posições de grandeza, mas não se abalou nem baixou a crista e passou a planejar cuidadosamente sua vingança, acumulando dinheiro e bons relacionamentos no meio civil e militar. Assim, ela estava com tudo pronto e caiu sobre Johannes como um raio quando a ocasião favorável surgiu.  

Johannes foi deposto e preso em um calabouço infecto (426 DC) e quando Placídia chegou triunfante a Ravena com sua brilhante comitiva, em condições completamente opostas às de quando partira em opróbrio dois anos antes, ordenou que Johannes fosse submetido as mais cruéis torturas. Depois mandou que lhe cortassem a mão com a qual assinara a ordem de sua prisão e expulsão e lhe cortassem a língua com a qual espalhara o torpe boato que tanta dor moral e injusta humilhação lhe tinham causado.

Detalhe do belíssimo teto do mausoléu da imperatriz
Gala Placídia em Ravena

Não satisfeita, esperou que o deposto imperador se recuperasse fisicamente dos horríveis ferimentos e deu prosseguimento à sua atroz vingança.

Em um belo dia de sol, Placídia mandou vestir Johannes de palhaço e o fez montar de costas em um burro no qual foi fortemente amarrado. Depois ordenou que o infeliz prisioneiro fosse conduzido em desfile perante a multidão que gargalhava e aplaudia nas ruas apinhadas o imperial “palhaço”, seguido por uma trupe circense como se ele fosse o seu chefe. O grotesco desfile terminou no circo da cidade, onde o decapitaram publicamente e espetaram sua cabeça, assim como a mão e a língua amputadas já ressecadas, em três lanças postas lado a lado em uma praça para simbolizar a justa punição dos que pensam indecências, assinam indignidades e espalham infâmias.

De todos os imperadores romanos em cinco séculos, Vitelius, Heliogabalus, Johannes e Petronius Maximus foram os que tiveram morte mais ignominiosa. Curiosamente, as duas últimas ocorreram no século V, último do Império e quando o Cristianismo já reinava absoluto no mundo romano. Parece que devotos cristãos, como Galla Placídia, não tinham assimilado muito bem os ensinamentos Evangélicos sobre caridade e misericórdia.

A trajetória do secretário cuja ambição o fez viver gloriosamente como imperador e cuja torpeza o fez morrer humilhantemente como palhaço, terminou com uma brutal alegoria sobre a fatuidade da grandeza material e uma sangrenta advertência ética. Por outro lado, Placídia reinou sozinha gloriosamente por vários anos com o apoio do competente general Aécio até a coroação do seu filho Valentiniano III. Mesmo assim continuou a mandar por trás do trono até sua morte em 450 DC e passou à história como a única mulher que governou o Império Romano por seus próprios méritos políticos e administrativos. Mais de mil anos se passariam até que na pessoa de Elizabeth I da Inglaterra surgisse à frente de uma grande nação outra mulher tão valente, dura e capaz quanto ela.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Post nº 80

O  MILAGRE  GREGO  E  O  NASCIMENTO  DA  CIVILIZAÇÃO  OCIDENTAL


No século 5º AC Péricles construiu o Partenon que se tornou o símbolo da hegemonia cultural da Grécia


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É pacífico entre os estudiosos que a Civilização Ocidental se fundamenta em três pilares: a Cultura Grega, o Direito Romano e a Teologia Judaica. Porém, considerando-se: a) que o Direito Romano inspira-se em boa parte nas Leis atenienses de Sólon e é influenciado pela Filosofia Estóica; b) que o Velho Testamento somente tornou-se conhecido após ser publicado em grego no século II AC e, c) que o Novo Testamento foi inteiramente escrito em grego, parece-nos certo dizer que a Civilização Ocidental nada mais é do que a ampliação e evolução da Civilização Grega ao longo dos séculos.

A Grécia é uma pequena nação milenar de escassa população, cujo solo pedregoso jamais lhe permitiu ter próspera agricultura e boa pecuária. Grande parte é constituída por ilhas rochosas no mar ao redor, tão áridas quanto o solo continental. É pobre de minérios e na antiguidade suas habilidades náuticas, industriais e comerciais não superavam outros povos mediterrâneos, como os fenícios. Ademais, a Grécia não era um “país” na acepção do termo, mas um ajuntamento de pequenos países formados por “cidades-estado” independentes umas das outras e sem um poder central que as unisse política e administrativamente. A rivalidade entre esses “mini-países” era intensa e guerreavam muito mais uns contra os outros do que contra “estrangeiros”, mas apesar das rivalidades todos se julgavam “gregos” e partes de uma coisa maior chamada “Grécia”, dentro da qual partilhavam a mesma língua, cultura, religião e origem étnica. A Grécia, portanto, era uma NAÇÃO mas não era um PAÍS, de sorte que quando os seus habitantes se sentiam ameaçados por um poder “de fora” ou “estrangeiro” uniam-se em uma confederação e elegiam comandante supremo alguém com grande experiência militar e prestígio político de uma das suas cidades mais importantes, tal como ocorreu na lendária Guerra de Tróia e nas guerras contra o Império Persa.

Na batalha naval de Salamina os gregos derrotaram os persas e
mantiveram sua independência

Vê-se assim que a Grécia, além de pequena e pobre, era política e administrativamente dividida, não dispunha de real poder econômico e militar, e por isso não possuía peso internacional. Ainda por cima era atormentada por constantes disputas e guerras entre suas cidades, o que a fazia ainda mais pobre e insignificante. Como, então, se explica possa ter produzido tão extraordinária cultura, fonte de todos os nossos saberes científicos, filosóficos, jurídicos, literários, artísticos e até mesmo desportivos ?

O mistério até hoje não foi solucionado apesar das muitas teorias e hipóteses a respeito, todas elas sem maior sustentação, o que levou sábios eminentes a chamarem o fenômeno ocorrido na Grécia entre os séculos VI e II AC de “MILAGRE GREGO”.

Não é que os gregos desse longo e extraordinário período de 400 anos tenham criado e descoberto tudo, pois seu grande mérito na maioria dos casos foi sistematizar conhecimentos já existentes, especialmente nas áreas da matemática e da geometria, mas lhes deram validade científica formulando postulados e teoremas expostos em Tratados ainda plenamente válidos e estudados nas Escolas. Com isso descobriram que a Terra era redonda, girava em torno do Sol e seu tamanho era quase igual ao que somente nos foi possível medir com exatidão 2.200 anos depois com a ajuda de satélites artificiais e de sofisticado aparato científico.

Fato ímpar no mundo, inclusive no Ocidente, onde até o século XIX proibia-se às mulheres o acesso às universidades, os gregos séculos antes de Cristo não só incentivavam a educação feminina como davam à mulher lugar de destaque na vida intelectual da nação, louvando-a e premiando-a, do que é exemplo a grande poetisa Corina derrotando o grande poeta Píndaro em vários concursos de poesia.

Mas foi na filosofia que o "Milagre Grego" atingiu o seu ponto mais alto. De um modo ou de outro, todo o pensamento ocidental tem suas raízes no pensamento dos antigos filósofos gregos, quer nos chamados pré-socráticos, como Tales de Mileto, Heráclito, Anaxágoras e Demócrito, quer nos chamados pós-socráticos, como Platão, Aristóteles, Zeno e Epicuro. É interessante notar que o ponto de referência, como se fora uma espécie de divisor de águas entre pensadores antigos e modernos dentro do contexto grego, é Sócrates, considerado com justiça o patriarca da Filosofia do Ocidente.

Sócrates, através do seu discípulo Platão, é considerado o patriarca do
pensamento filosófico ocidental

Infelizmente poucos livros de grandes escritores da antiguidade chegaram até nós, fazendo com que só tenhamos fragmentos de sábios pré-socráticos como Heráclito e Pitágoras ou mesmo de pós-socráticos como Epicuro e Zeno. O mesmo ocorre com as grandes poetisas gregas como Safo, Corina e Trasila, de cuja excelente obra lírica só temos fragmentos e notícias dadas por outros autores, mas que são suficientes para aquilatarmos do valor da sua obra e do prestígio que gozaram na Grécia da sua época. Apenas para comparar, os romanos, séculos posteriores aos gregos e com hegemonia muito maior e muito mais duradoura, e que por isso as obras dos seus grandes autores nos chegaram bem mais conservadas e em muito maior número, não nos legaram nenhuma poetisa ou mulher de reconhecido valor intelectual.


Safo foi a mais importante poetisa grega da antiguidade e é considerada uma das
maiores poetisas de todos os tempos

Porém o mais impressionante é que numa “Era” ainda pré-científica os gregos criaram ciências como a Filosofia, a Estética, a Pedagogia, a Física, a Metafísica e a História; métodos de raciocínio e de investigação como a Dialética e a Lógica Formal. Criaram a arte como expressão do sentimento e da beleza ideal mostrada em suas insuperáveis esculturas e o esporte como expressão da mais apurada técnica e da beleza física eternizada nas Olimpíadas. Também criaram sofisticada tecnologia, como os notáveis aparelhos de elevado nível tecnológico de Arquimedes e Hieron de Alexandria. Na literatura, criaram o teatro nos moldes que, com as devidas adaptações, assistimos até hoje, e criaram quase todos os gêneros de poesia e de verso que conhecemos. Finalmente, deram caráter científico à Medicina, até então território privativo do empirismo e da superstição, e no nosso tempo médicos que concluem o curso e saem da Escola para exercer a “arte de curar” fazem o Juramento de Hipócrates, médico grego considerado o pai da medicina.

Inspirados pelo pensamento de Sócrates, os sábio Platão e Aristóteles criaram as
bases filosóficas e científicas da Civilização Ocidental

Um episódio trivial mostra em poucas palavras a enorme importância da Cultura Grega para a nossa Civilização. Conta-se que o sábio Albert Einstein foi a uma recepção na casa de um colega na Universidade de Princeton e alguém lhe perguntou se ele já se indagara por que “um Einstein surgira no Ocidente e não na China”. Todos riram achando que o sábio responderia com uma das suas piadas, mas ele disse sério: “já pensei sobre isso e concluí que tanto eu quanto os meus colegas surgimos no Ocidente por duas coisas que se uniram para que a Revolução Científica ocorresse na Europa e não na Ásia: a invenção da Lógica Formal pelos sábios gregos no século IV AC e a invenção do Método Experimental pelos sábios europeus ocidentais no século XVII DC”. Para o genial Einstein todo o nosso atual progresso científico e tecnológico tem por base o feliz fato de que em um dia qualquer há 2.400 anos em Atenas o professor Aristóteles sentou-se na cadeira de sua escrivaninha e decidiu escrever um manual escolar para ensinar aos seus alunos a técnica de pensar e de raciocinar corretamente, criando um método seguro de busca da verdade a que se deu posteriormente o nome de “Lógica Formal”.

Todavia, penso que em meio as extraordinárias contribuições do “Milagre Grego” à civilização a mais notável de todas foi retirar o HOMEM da periferia do universo e colocá-lo no seu centro, tirando-o da sua condição de simples ATOR e fazendo-o também AUTOR da sua própria História. Até então, como depois na Idade Média, achava-se que o centro do universo era ocupado pelos deuses e o homem era somente um apêndice e joguete do seu poder, mas os gregos fizeram os deuses iguais aos homens em físico, virtudes e defeitos, dando-lhes como caráter distintivo apenas a imortalidade, único predicado divino de que o homem não é dotado, não obstante ser sua suprema aspiração. Assim, puseram o homem junto aos deuses como seus “quase iguais” e criaram a mais importante de todas as correntes de pensamento na história da humanidade: O HUMANISMO !

Os gregos davam grande valor à educação e Alexandre, maior dos guerreiros,
teve como professor Aristóteles, maior dos mestres

O Cristianismo assimilou boa parte da filosofia grega, mas deu ao humanismo feição diversa: ao invés de fazer de Deus preocupação do homem, inverteu os pólos da equação e fez do homem preocupação de Deus, negando a aquele os atributos deste, que passaram a ter extensão imensamente maior do que os poucos e fracos atributos dos “humanizados” deuses criados pelos gregos, pois estes recusavam à divindade atributos que consideravam absurdos porque totalmente incompreensíveis à sua mente prática e racional, como é o caso do atributo da perfeição absoluta do Deus cristão. O “humanismo” só voltaria a ser tema de debates na Renascença e os melhores intelectuais da época, como D’Avinci, Erasmus, Morus e Michelangelo, eram notórios humanistas à moda grega, embora católicos devotos. Na ocasião a Grécia de há muito perdera seu esplendor intelectual e era página virada da História, tendo voltado a ser o país insignificante que a natureza talhara para ser, mas o período áureo da sua cultura no primeiro milênio antes de Cristo, embora totalmente inexplicável, continuava a existir nos sonhos dos poetas e dos artistas, no pensamento dos filósofos de todas as tendências e nos projetos inovadores dos letrados, inspirando-os a vôos mais ousados e às mais brilhantes realizações.

Penso que o “Milagre Grego” é o mais extraordinário e o mais feliz de todos os muitos inexplicáveis episódios e intrigantes mistérios que povoam a História.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Post nº 79


AS  GRANDES  CRISES  ECONÔMICAS  DA  HISTÓRIA
No século XIX a invenção do navio "clipper" multiplicou o comércio em todos os quadrantes do mundo e o
mercado financeiro ganhou enorme importância. A economia se globalizou e suas crises também



A 1ª grande crise econômica de que temos notícia clara é a "crise agrária" de Roma no século II AC. Ela
causou grave crise política e o assassinato dos senadores reformistas Caio e Tibério Graco

A primeira grande crise econômica de que se tem notícia ocorreu no Egito há quase quatro mil anos e é relatada na Bíblia através da parábola das “7 vacas gordas e 7 vacas magras”. Abstraindo a parte fantasiosa da história, tudo indica que o sábio escravo judeu José previu que algo andava mal na Economia do país e preveniu o faraó com bons argumentos. Este então o nomeou 1º ministro com amplos poderes para enfrentar a crise que se avizinhava e a história bíblica mostra como um líder sábio e inteligente é capaz de prever a marcha da economia no médio prazo e de agir de acordo a fim de evitar possível catástrofe.

Além da "Grande Crise Egípcia do 2º Milênio AC", a história registra outras graves crises econômicas, embora dando muito mais ênfase aos seus aspectos políticos do que aos seus aspectos puramente econômicos. As mais graves ocorreram no Império Romano, cuja história conhecemos com abundância de detalhes, destacando-se na Era Pré-Cristã a crise agrária do século II AC, que causou o assassinato dos senadores reformistas Tibério e Caio Graco, e a crise dos devedores no século I AC, que causou a rebelião e morte do senador reformista Lucius Catilina, alvo no Senado de Roma das famosas “Catilinárias”, notáveis discursos do grande orador Marcus Tulius Cícero, líder da facção conservadora. Mas todas elas foram localizadas e não ultrapassaram os limites dos países onde ocorreram e de suas regiões vizinhas, como foi o caso da "Crise Egípcia", a qual também atingiu a Judeia, conforme o relato bíblico.

A primeira crise de natureza realmente global, pois atingiu vários países da Europa, norte da África e Oriente Próximo, foi a crise inflacionária do final do século III da Era Cristã. O excesso de gastos do governo imperial com revoltas, invasões e guerras civis causou cunhagem exagerada de moeda metálica, sobretudo das que não tinham valor intrínseco, como era o caso das moedas de cobre, e os preços dispararam, levando o imperador Diocleciano a decretar o primeiro congelamento generalizado de preços da história. Mas seu efeito foi limitado e o que realmente solucionou a crise foi paralisar a cunhagem de moeda, moralizar a arrecadação de impostos e cortar as despesas. Isto Diocleciano conseguiu dando racionalidade à administração através da divisão do imenso Império em quatro impérios menores, todos unidos sob sua autoridade em uma espécie de federação. Ele nomeou imperadores três generais de sua confiança e os colocou em lugares estratégicos, onde ficassem mais perto dos administrados e pudessem fiscalizar a máquina burocrática do Estado com eficácia.

Nos tempos modernos as crises econômicas cresceram e se tornaram o fato dominante na vida dos povos, mesmo quando eles disso não se apercebam, fazendo menos importantes até mesmo guerras e revoluções. A crise atual, iniciada em 2008, ainda está em pleno desenvolvimento e ninguém pode prever seus desdobramentos futuros, mas uma coisa é certa: sua solução está longe, pois todos os remédios aplicados até agora se mostraram apenas tópicos, incapazes de lhe dar um final feliz.

Este blog é sobre “História Antiga”, mas, sendo as crises econômicas fenômeno quase tão antigo quanto a civilização, creio que não fugiremos do nosso objetivo se aqui as abordarmos dentro de um contexto abrangente que tenha o “moderno” como simples desdobramento do “antigo” para o bom entendimento do aficionado de história. Visando auxiliar tanto os economistas quanto os leigos a melhor entenderem a crise atual, pois a solução de qualquer problema passa por sua prévia compreensão, a ótima revista britânica “The Economist” publicou breve história das cinco maiores crises dos últimos tempos, que republicamos abaixo.