segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Post nº 76

PERFIL  DE  UTHER  -  O  SENHOR  DOS  DRAGÕES

Uther era astuto, leal com amigos, impiedoso com inimigos e generoso com o povo. Mais
que qualquer outro cultivou a própria lenda e virou "O Senhor dos Dragões"



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Eis como o frade romano Gildasius Pisannensis descreve o seu amigo príncipe Uther Pendragon, chamado por seus súditos de “O Senhor dos Dragões”.


Ainda quando estudava com os padres em Bath, Uther assimilara a fundo o preceito evangélico: “Sede simples como a pomba e astuto como a serpente”! Mas à medida que aprendia com a vida fez ao santo mandamento um pequeno acréscimo: “Sede simples como a pomba, astuto como a serpente e mortífero como o leão”!

Era homem simples e cordial, jamais mostrando pompa ou orgulho e tratando a todos como seus iguais. Também era polido e atencioso, e na medida do possível ajudava os que recorriam aos seus préstimos, pois mesquinheza e arrogância eram palavras que não existiam no seu dicionário. Porém essa postura pessoal era apenas a base sólida para o exercício da sua principal qualidade: a astúcia!
 
Conquistava as pessoas com seus modos simples e amigáveis apenas para usá-las na consecução dos seus objetivos, mas como muitas vezes não precisava delas no presente, nunca excluía a hipótese de precisar delas no futuro, e mantinha a mesma postura simples e cordial em todas as ocasiões. Até porque isto lhe evitava possíveis acusações de falsidade ou hipocrisia. Sabia distinguir amigos e inimigos não apenas pelo que diziam ou faziam, mas também por um simples gesto ou palavra, e às vezes até mesmo por um olhar. Era exímio conhecedor de pessoas e excelente jogador, prevendo sempre com antecedência duas ou três jogadas à frente; isto fazia com que ninguém o superasse em qualquer tipo de negociação, e embora nada fizesse que não fosse do seu próprio interesse, premiava os que lhe serviam com lealdade, reforçando sua reputação de homem correto e desarmando espíritos menos sutis que o seu. Muitos anos depois, quando já éramos amigos íntimos, questionei seu excessivo pragmatismo e ele me respondeu com toda a sinceridade do seu espírito simples: “Olhe aqui, Gildásio: você só é frade porque sua mulher morreu e você quis ganhar do céu o conforto que a terra lhe negou, por isso pare com essa tolice de dizer que existem pessoas que não agem por interesse. Até mesmo o santo só é santo porque deseja ganhar de Deus a recompensa do paraíso”!

Assim era Uther: duro, pragmático e objetivo. Porque era simples e cordial jamais usava palavras ásperas, e porque era astuto jamais fazia ameaças, pois raciocinava corretamente: “Ameaças só servem para prevenir os inimigos e despertá-los da sua falsa sensação de segurança; melhor deixá-los adormecidos para mais facilmente liquidá-los no momento oportuno”! E aí entrava a terceira virtude que ele acrescentara ao mandamento evangélico: a mortífera agilidade do leão!

Uther impressionava por seu porte, bravura, frieza, voz forte segura e impositiva,
mas sobretudo pelo medo causado pela fama que o acompanhava

Ele fazia de tudo para não entrar numa briga, mas se nela entrasse o fazia de modo tão rápido e letal que destruía completamente o inimigo e os seus aliados, não sobrando ninguém para revidar. Por isso é que ao eliminar os filhos e genros de Gorlósio eliminara também seus descendentes varões. Apesar disso ele se considerava generoso e humanitário, pois nunca matava por matar. Na verdade o seu objetivo não era torturar ou matar ninguém: era apenas livrar-se de um incômodo. Uma vez ele me disse com a mais fria honestidade: “Saiba você, meu bom Gildásio, que jamais fiz o mal quando podia fazer o bem ou matei alguém que não merecesse morrer para beneficio de todos. Jamais maltratei pessoa alguma, nem mesmo meus piores inimigos, e quando fui obrigado a eliminá-los o fiz de forma rápida e quase indolor, poupando-os de sofrimentos desnecessários”!

Também se julgava um homem da lei, pois há tempos descobrira que a forma melhor de manter o poder era através de leis que o legitimassem e dessem ao governante a reputação de ser justo e imparcial. Para tal fim nada melhor do que leis escritas ministradas por juízes instruídos. A palavra escrita sempre tivera entre os povos cultos grande prestígio e entre os incultos respeito quase religioso, por isso comprou em Bath um exemplar do Código Teodosiano, promulgado pelo Imperador Romano do Oriente, e sabendo ler bem o latim o examinou com auxílio de um advogado e dele excluiu todas as regras em desacordo com os costumes de Cornwall, acrescentando-lhe algumas que aumentavam o poder do Marchensis romano; ou seja, dele próprio. Depois contratou escribas para fazerem uma pequena edição privada do código por ele modificado e pôs ricas capas de couro nos exemplares produzidos. Os escribas estavam ansiosos por um emprego seguro, e quando lhes ofereceu o cargo de juízes em Cornwall aceitaram sem hesitar. Deu-lhes roupas vistosas e os instalou dignamente nos vilarejos mais importantes, decretando que dali em diante todos os litígios deviam ser a eles submetidos e decididos de acordo com as leis da “Santa Igreja”, pois, sendo um governante romano e cristão, outras leis não poderia ele admitir em seu distrito senão aquelas decretadas pelo imperador e aprovadas pela Igreja!

Melhor que ninguém Uther soube cultivar mitos que incendiavam a imaginação
popular e tornou-se legendário

Porém a nomeação dos juízes não lhe custou praticamente nada, pois uma taxa era cobrada aos vencidos em proporção ao valor do litígio por eles causado. Nos casos criminais uma pesada multa era aplicada ao infrator, e quando havia condenação à morte todos os bens do condenado iam para os “cofres públicos”. Mas ele sabia que a tentação de suborno e extorsão era grande e poderia desviar os juízes da função para a qual os nomeara, desmoralizando o sistema que tentava implantar. Em conseqüência, os advertiu previamente de que qualquer ato de corrupção resultaria na imediata execução do juiz corrupto, e para mostrar que não estava brincando enforcou pessoalmente diante deles dois ladrões presos alguns dias antes, enquanto dizia aos futuros julgadores: “Um juiz corrupto é três vezes mais ladrão do que qualquer ladrão comum, por isso ao invés de enforcá-lo eu o manterei vivo e cortarei seus pés e pernas, depois cortarei suas mãos e braços, e finalmente cortarei sua cabeça, mandando espetar seus restos em estacas para que sejam comidos pelos urubus. A falta de um enterro cristão também condenará sua alma ao inferno”!

Claro que se podia apelar ao Marchensis da sentença, mas quando não era do seu interesse modificá-la dizia ao apelante que o juiz fizera o que a lei mandava, e como “suprema autoridade imperial” ele era obrigado a cumpri-la; infelizmente não podia fazer nada pelo “prezado amigo”, pois a lei era a lei. Nas poucas apelações que atendia dizia que o juiz se enganara e aplicara a lei de forma errônea, devendo ser por isso severamente repreendido. Ele nunca o repreendia, limitando-se a modificar a decisão através de uma boa justificativa legal feita pelo próprio juiz que a prolatara e chamado para ouvir a “repreensão”, mas na verdade para redigir a decisão modificando sua sentença. Isto os ensinou que nos casos importantes deviam antes ouvir a opinião do chefe. Porém apelações eram raras, pois ordenara aos juízes decidirem com o vistoso código aberto e lendo para os litigantes a regra na qual se baseavam. Eles não entendiam nada da leitura porque quase ninguém sabia latim, mas isto só fazia aumentar o prestígio da decisão, pois nas suas mentes simples as misteriosas palavras soavam como algo mágico e a lei adquiria significado místico, fazendo-a temida e obedecida. Aos poucos a justiça romana, ou melhor, a justiça de Uther, se tornou respeitada em todo Cornwall pela sua “correção e imparcialidade”!

Ninguém ousava desafiar Uther, homem cuja lenda dizia que vencia e domava dragões

Todavia os mais poderosos senhores continuavam fora do seu alcance porque todos eles tinham exércitos particulares e, embora fossem leais ao “chefe dos chefes”, sempre poderiam se revoltar. Aliás, essa coisa de “chefes” o incomodava bastante, pois no seu entendimento o poder era indivisível, mas enquanto não pudesse acabar com seus bandos armados teria de dançar de acordo com a música. Assim, tal como o imperador Augusto, que governava como ditador enquanto fingia que tudo era decidido pelo senado, Uther costumava convocar os chefes regularmente para reuniões onde os assuntos importantes eram discutidos. Geralmente expunha a matéria sem dar opinião, dizendo que ouviria todos os demais e a decisão seria tomada em conjunto. Embora ele já houvesse decidido previamente, deixava que a discussão se aprofundasse, ouvindo atentamente e não apresentado objeções às opiniões contrárias que iam aparecendo, mas fazia muitas perguntas sob o pretexto de querer entendê-las melhor até que elas se mostravam inviáveis aos olhos dos demais e alguém aparecia com a opinião que lhe interessava. Porém continuava perguntando e aos poucos ia concordando, até que todos também concordavam e ele proclamava que a opinião do amigo fulano prevalecera por unanimidade. Às vezes não se chegava a um consenso e ele dizia impaciente: “Todos sabem que sou homem razoável, que sempre concorda com as sábias opiniões dos amigos e que jamais aprovaria algo que não fosse do nosso mútuo interesse, mas sou obrigado a dizer que a opinião do amigo cicrano é a que melhor atende às circunstâncias atuais e peço aos que confiam no meu julgamento que apoiem a opinião dele. Vamos votar”.

Ele nunca perdia, e os senhores cuja opinião tinha prevalecido, e até mesmo os que tinham sido vencidos, aplaudiam o seu espírito conciliador.

Este era o verdadeiro Uther Pendragon, “Senhor dos Dragões”, príncipe bravo e correto que todos viam, respeitavam e temiam, mas que pouquíssimos conheciam.