quarta-feira, 28 de março de 2012

Post nº 56

ÁTILA  E  AÉCIO  PENSAM  SUAS  ESTRATÉGIAS  PARA  A  BATALHA  DOS  CAMPOS  CATALÚNICOS


A batalha dos Campos Catalúnicos foi decisiva para a Civilização Ocidental no apagar das luzes
do Império Romano. Ilustração feita sob direção do autor.


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Não é lícito ao historiador distorcer fatos para lhes dar feição que lhe convém, mas é lícito especular sobre as motivações que fizeram os personagens agirem da forma como agiram. Sempre intrigou aos estudiosos a razão pela qual Átila não esperou Aécio para lhe dar batalha em Orleans, preferindo retirar-se para o Leste como se estivesse fugindo após desistir da conquista da Gália. Ainda mais intrigante é ele ter acampado perto da vila de Chalons e após fazer minucioso reconhecimento de campo dispor seu exército em formação de batalha e esperar Aécio tranquilamente. Por fim há que se perguntar por que Átila perdeu a batalha estando descansado e tendo escolhido hora, lugar e posições de combate.

Isto torna interessante especular sobre o que deve ter se passado na cabeça dos dois líderes, começando por Aécio após fazer junção com os exércitos de Teodorico e Meroveu. As evidências são que ele deve ter pensado alto para os seus camaradas: “Marcharemos em formação de flecha com os romanos à frente, os Francos e Burgundos no meio e os Visigodos atrás. Bem próximo a Orleans descansaremos e ao amanhecer formaremos um arco invertido, avançando como alguém de braços abertos que vai abraçar outro alguém. O faremos tendo os francos mais adiantados em diagonal à direita, os visigodos mais adiantados em diagonal à esquerda e os romanos alinhados em linha reta no centro. Encurralaremos o inimigo contra as poderosas muralhas de Orleans, do alto das quais os defensores da cidade os crivarão de flechas pela retaguarda. E será uma vez Átila”!

Mas tendo Átila e Aécio sido amigos e aliados por muitos anos, é razoável supor que um soubesse como o outro pensava. Assim, na tarde em que recebeu a notícia de que os aliados estavam a um dia e uma noite de marcha, Átila deve ter previsto a estratégia de Aécio e traçado a sua própria: “Aécio acha que me pegará aqui num abraço fatal, mas serei eu quem o pegará! Levantarei o cerco e me retirarei para o Leste como se fugisse, fazendo-o pensar que desisti da Gália e estou voltando ao meu Reino. Ele me seguirá a uma distância segura até que eu atravesse o Reno e depois se gabará de ter me enxotado, cobrindo-se de glórias. Isto é o que ele pensa, mas antes que ele me jante eu o almoçarei. Tudo que a velha raposa vai conseguir será uma inesperada batalha e uma fragorosa derrota no meio do caminho, pois ocorrerá no lugar, hora e posições que eu escolher”!

Átila em versão romantizada que o retrata como príncipe
oriental. Gravura de Fredrik Sander (1893)
        
Após o anoitecer, Átila deve ter ordenado ao seu exército preparar-se para a retirada e partiu ao primeiro cantar do galo. Ao raiar do sol os defensores de Orleans viram com surpresa que o demoníaco Flagelo de Deus resolvera fazer o caminho de volta ao seu reino na Europa Central onde hoje é a Hungria e no final da tarde receberam os aliados com grandes festas, fazendo Aécio pensar como Átila previra. No dia seguinte foi no seu encalço procurando manter a segura distância de um dia e uma noite entre perseguidos e perseguidores, conforme acertado com Meroveu e Teodorico, pois os três deviam pensar o mesmo: “enxotaremos Átila sem luta e nos cobriremos de glória”!

Tudo estava se passando como Átila planejara, mas Aécio deve ter achado que algo estava errado, pois o Átila que ele conhecia há décadas era homem de atacar e não de recuar, por isso, além dos batedores habituais que ficavam a uma distância razoável da retaguarda inimiga, deve ter mandado também espiões germânicos de suas hostes infiltrarem-se nas hostes germânicas de Átila, pois dois ou três dias após iniciada a perseguição sob o sol abrasador do mês de julho recebeu a surpreendente notícia de que no dia anterior os hunos tinham acampado perto da vila de Chalons-sur-Marne em um local chamado Campos Catalúnicos. Seus esbaforidos espiões e batedores relataram ter visto Átila e seus generais percorrendo com atenção o vasto campo e fixando marcos em diversos lugares até o cair da noite. Pela manhã as tropas tinham sido distribuídas pelos lugares marcados e postas em formação de batalha, mas após Átila lhes dar instruções ficaram à vontade e agora descansavam tranquilamente em suas posições debaixo de toldos. Os hunos estavam a apenas três horas de marcha e se os aliados avançassem agora os pegariam dormitando no meio da tarde escaldante. Tudo indica que Aécio raciocinou que era isso o que Átila queria e viu que a “retirada” tinha sido uma farsa para atraí-lo a uma armadilha fatal: travar uma batalha decisiva em lugar, dia e hora escolhidos pelo inimigo!

Tal situação é um pesadelo para qualquer líder militar e é provável que Aécio rapidamente tenha concluído com frieza: “O lugar eu não posso mudar, mas o dia e a hora eu posso. Não lutarei hoje cansado sob o calor abrasador do sol como Átila quer: lutarei amanhã descansado na fresca temperatura do amanhecer como eu quero”!

Impérios do Século V: ROXO-Huno; MARRON-Romano Oriental; VERDE-Ostrogodo; VERMELHO-Romano Ocidental; AMARELO-Visigodo; LARANJA-Vândalo

Átila também tinha batedores na vanguarda e na retaguarda, portanto sabia a distância que o separava de Aécio e calculara que o ataque se daria no meio da tarde. Assim, bem antes da hora prevista para a chegada de Aécio, deve ter posto seus homens em formação de batalha e esperado em vão pelo inimigo durante horas sob o sol escaldante do verão. Certamente ficou furioso quando o dia chegou ao fim sem sinal dos aliados e teve que desmanchar suas mal humoradas formações de combate, sabendo que teria de fazer tudo de novo ao amanhecer. Aécio e os seus generais devem ter se divertido especulando sobre o tamanho da irritação de Átila na véspera da grande batalha.

Não há como saber o que os dois grandes chefes militares pensaram, mas dadas as circunstâncias não deve ter sido muito diferente das hipóteses aqui sugeridas. De qualquer forma o desafio fora lançado e as cartas estavam na mesa. O dia seguinte diria quem acertara e quem errara.

Nihil in mora habere quominus

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