segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Post nº 53

A  LEGIÃO  ROMANA  FANTASMA
DE  YORK

Imagem idealizada da visão do jovem Harry Martindale dos legionários fantasmas de York

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York é uma das cidades mais antigas e mais bem preservadas da Inglaterra. Na Idade Média foi a segunda mais importante cidade do país e sua imensa catedral gótica, majestosas muralhas e prédios várias vezes centenários o atestam. Nos tempos romanos, a estratégica cidade de Eboracum (York é nome que os invasores anglo-saxões lhe deram na Alta Idade Média) era quartel de poderosa Legião que, por estar sediada no extremo norte do Império, era chamada “A Última Legião”. Ela fez jus ao nome quando os romanos retiraram-se definitivamente no século V, pois foi a última a sair da antiga Britannia. Além disso, foi em Eboracum (York) que faleceu o imperador Constâncio Cloro durante guerra contra os caledônios (escoceses) e o grande Constantino foi aclamado imperador no início do século IV. As ruínas do quartel da grande Legião onde fatos tão marcantes ocorreram foram descobertas e escavações vêm sendo realizadas por competentes arqueólogos com a atenciosa assistência de historiadores e intelectuais.

A antiguidade e a boa preservação da cidade têm feito com que ao longo dos séculos ela tenha sido palco de contos fantasiosos e aparições fantasmagóricas dos mais variados tipos, todos eles registrados pelos cronistas e, sobretudo, pela imprensa local no lucrativo intento de atender à sede do público por histórias extraordinárias. Todavia é um prédio moderno pelos padrões de York, pois foi construído em 1648, o palco das mais extraordinárias aparições: a Treasurer’s House! O prédio foi erguido sobre as ruínas da antiga Minster’s Treasurer ("Tesouraria da Catedral"), fechada um século antes durante a Reforma Religiosa do rei Henrique VIII. Sabe-se que o prédio anterior já gozava da fama de mal-assombrado há séculos, mas ninguém esperava que o mesmo ocorresse com o seu “moderno” sucessor. Porém, desde o começo estranhas ocorrências e aparições bizarras eram constantemente relatadas pelos visitantes e servidores da repartição do Fisco, a ponto de até mesmo guardas e vigias terem medo de passar a noite por lá. Curiosamente, os fenômenos tinham sempre caráter militar, pois eram geralmente ruídos surdos de homens marchando ao toque de tambores e clarins embora não houvesse quartel nos arredores e não estivesse ocorrendo desfiles na cidade. Os relatos das visões falavam sempre de homens envoltos em peles, portando lanças e usando saias, levando muitos a acreditarem tratarem-se de fantasmas de antigos soldados escoceses que por várias vezes ocuparam a cidade nas guerras da Idade Média.


Portão principal das muralhas de York, uma das cidades mais antigas da Inglaterra.  
Restauradas e acrescidas na Idade Média, elas datam da época romana.
          
Nos tempos modernos, tais histórias fantásticas foram esquecidas ou passaram ao folclore e sempre que algo estranho acontecia logo se descobria explicação “racional e científica” para o fato. Foi quando em 1953 um adolescente aprendiz de encanador, Harry Martindale, trabalhava no vasto porão com o seu mestre durante reformas que se fazia no prédio na ocasião. Devido à urgência dos serviços, os operários tinham entrado noite adentro e o mestre saíra em busca de ferramenta que esquecera, deixando Harry trabalhando sozinho. Eis que de repente ouviu passos próximos de homens marchando, produzindo ruído muito diferente dos ouvidos no local das obras. Embora não prestasse atenção no início e não se desviasse do que fazia, ficou de cabelo em pé quando o recinto foi inundado por estranha luz com tonalidades rosa, vermelha e verde. Assustado, correu para o lado oposto, de onde divisava todo o salão, e ficou petrificado ao ver sair da grossa parede ao lado cavalo montado por estranho soldado com capacete enfeitado e capa. Com a língua engrolada e incapaz de produzir sons ou mover-se, Harry viu que atrás do cavaleiro saiam da parede soldados mais estranhos ainda, usando armaduras, saiotes e portando esquisitos estandartes. Alguns se cobriam com peles de lobos ou de ursos a guisa de capote e estavam armados com lanças, espadas e escudos. À medida que cruzavam o salão sumiam na parede oposta, não sabendo Harry dizer depois quanto tempo durou a aparição, pois quando o seu mestre voltou, bem depois de ter saído, ainda o encontrou encostado à parede, paralisado. Harry só tinha instrução primária e nada sabia de História, mas, apesar da galhofa dos colegas mais velhos, manteve-se firme e o caso chegou aos ouvidos da imprensa, que não perdeu tempo e o publicou em manchete, dobrando as vendas e atraindo multidões ao local. Harry foi tão honesto que não ocultou detalhes que ninguém conseguia entender: o primeiro era que os soldados pareciam canhotos, pois levavam suas espadas no lado direito; outro era que as espadas eram muito menores que as atuais; finalmente, o mais estranho de tudo: as pernas dos cavalos e dos soldados só apareciam acima do piso a partir de cerca de um palmo abaixo do joelho! Segundo Harry, era como se marchassem com água no meio das pernas. Para isso não havia explicação, pois o piso era sólido e seco, não havendo indícios de que tivesse havido água no local.

Finalmente grupo de eruditos, não tão descrentes dos fenômenos paranormais, concluiu que os prováveis fantasmas eram romanos e não escoceses, porque só os romanos usavam espadas curtas e as portavam do lado direito. Assim, o erudito grupo aventou a hipótese de que talvez ali passasse antiga estrada romana, tendo sido ela ocultada não só pelos séculos de abandono e acumulação de terra trazida pelo vento, mas também pelo rebaixamento que o solo sofre com o passar do tempo. Marchando as aparições por estrada abaixo do solo do porão, era lógico que seus pés e parte das pernas se movessem abaixo dele, ficando ocultos aos olhos de quem os visse. Obtida a autorização para escavar, removeram o velho piso e constataram que a hipótese era correta: cerca de 30 centímetros abaixo havia trecho intacto de milenar estrada romana pavimentada com largas pedras polidas!
A catedral gótica de York é uma das mais belas e maiores catedrais medievais da Europa. Substituiu
igreja cristã da época romana edificada sobre ruínas de um templo pagão
    
A estória virou verdade e o garoto Harry virou celebridade, mas, como sempre acontece, boatos maldosos surgiram dizendo que fora tudo uma farsa montada pelos intelectuais e jornalistas em conluio com a Prefeitura para escavarem o local e criarem sensacionalismo, pois há muito sabiam que ali passava antiga estrada romana. Por isso teriam subornado Harry e o instruído com a estória fantasiosa para em seguida faturarem com matérias jornalísticas, publicidade e turismo. O boato era absurdo, pois York é tão rica em edifícios antigos e vestígios arqueológicos que não seria a descoberta de simples trecho de estrada romana, de resto bastante comum na Inglaterra, que iria aumentar a atração que a cidade exerce sobre amantes da História e das coisas antigas.

De qualquer forma, modernos “caça-fantasmas” fizeram pesquisas no local com sofisticada aparelhagem e nada detectaram. Os fenômenos cessaram após as investigações e a única explicação que se tem é que talvez fantasma não goste de publicidade ou de shows para divertimento dos incrédulos. Mas para os que acreditam no sobrenatural fica uma pergunta: por que os fantasmagóricos soldados romanos insistiam em aparecer marchando naquele trecho da estrada desde remotas eras, como atestado por seculares relatos de fatos estranhos e bizarros não só nos séculos de existência do prédio atual como nos séculos de existência do que o antecedeu?

Como creio no sobrenatural, acho o seguinte: hoje se sabe que a marcha era em sentido oposto ao do quartel da Legião, mostrando que os soldados distanciavam-se dela seguindo para alguma missão. Portanto é possível que tenham caído em uma emboscada logo em seguida, na qual todos morreram, e estariam apenas reproduzindo os seus últimos passos na terra antes de se despedirem definitivamente da vida!

Pode não ser uma explicação, mas é uma boa hipótese.


Nota: York foi muito próspera durante o domínio romano, quando se chamava Eboracum e era a cidade mais importante do norte do Império. Com a retirada romana da Britannia no século V, ela foi assolada durante dois séculos pelos bárbaros pictos, caledônios e scots, que destruíram seus grandes edifícios e a reduziram a pouco mais que uma vila. Este longo período de brutal decadência explicaria o soterramento do grande quartel da "Última Legião" e das magníficas estradas pavimentadas que partiam dela em várias direções. Com a chegada em massa dos anglo-saxões, que já ocupavam há tempos o sul da ilha, ela recuperou parte do seu antigo esplendor e passou a chamar-se York. No século VIII foi assolada novamente por hordas vikings altamente destruidoras, mas no século seguinte (anos 800) o rei anglo-saxão Alfredo o Grande unificou toda a Inglaterra sob o seu cetro e fundou a 1ª dinastia de reis ingleses. Nos 200 anos seguintes York floresceu como nunca e no século XII era a 2ª cidade mais rica e importante do país, sede de um dos dois únicos Arcebispados da Inglaterra. Isto lhe possibilitou construir a maior catedral do norte da Europa e os duques de York passaram a ser tão poderosos quanto os reis, às vezes tomando-lhes o trono. No século XVI o centro econômico do norte mudou para outras cidades e York entrou em marasmo e decadência. Isto possibilitou que as suas características medievais ficassem admiravelmente bem preservadas até os dias atuais.



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