quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Post nº 50


O  IMPERADOR  GRACIANO  REALMENTE
NOMEOU  TEODÓSIO  IMPERADOR
ROMANO  DO  ORIENTE ?

Efígie de Graciano em moeda do século IV. Era bom político e talentoso general que teria feito
ótimo governo se não fosse assassinado aos vinte e quatro anos de idade por um traidor

Mapa da região central do Império Romano do Ocidente elaborado para a edição inglesa
do meu livro "intimate Memories of Flavius Marcellus Aetius"

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A história está cheia de "verdades oficiais" que se tornam bastante duvidosas se os fatos forem examinados com lógica simples. Uma dessas "verdades" é a de que, após a esmagadora vitória dos godos sobre os romanos orientais na grande batalha de Adrianópolis em 378 e a resultante morte do imperador Valente, o seu sobrinho e herdeiro Graciano, imperador ocidental, mandou chamar na Espanha o hábil e popular general Teodósio e o nomeou sucessor do tio falecido. Com o geral apoio dos seus antigos colegas, altos oficiais remanescentes do semi-destruído exército oriental, o competente Teodósio teria conseguido salvar o Império da total catástrofe contando com o decidido apoio de Graciano, que tivera o bom senso de nomeá-lo co-imperador naquela hora decisiva.
         
Essa versão, partilhada pelo grande historiador inglês Edward Gibbon, é muito duvidosa porque Teodósio e Graciano eram mais inimigos do que "amigos", pois havia fundadas suspeitas deste ter participado da intriga que resultara no assassinato do pai de Teodósio, bravo general e homem de confiança do falecido imperador Valentiniano I. Muitos tinham mesmo a certeza de que a ordem para a execução do velho Teodósio partira diretamente de Graciano e que o filho somente escapara porque servia no Oriente sob as ordens de Valente, irmão de Valentiniano I.
            
O mais plausível é que os fatos tenham se passado assim: pouco antes de morrer em 376, o monarca teria dito, ao seu leal e valoroso ministro Teodósio pai, que gostaria de ter como sucessor o adolescente Valentiniano II, filho do seu segundo casamento, e não o seu filho primogênito, fruto de um primeiro casamento e herdeiro natural, Graciano. A imperatriz Justina, sua segunda esposa, era mulher enérgica e ambiciosa que criara um partido em favor do filho, provocando grande tumulto no processo sucessório. Muito hábil, o legítimo herdeiro Graciano contornara o problema fazendo um acordo com Justina: ele governaria as províncias do Ocidente, encarregando-se da árdua defesa das fronteiras da Gália contra os agressivos germânicos, e dividiria a púrpura imperial com o irmão menor, que governaria a Itália tendo a mãe como regente. Justina aceitou prazerosamente porque o seu interesse era ficar mandando e intrigando na confortável corte de Roma. Para ela pouco importava que o seu austero e devoto enteado Graciano se matasse guerreando invasores bárbaros lá no fim do mundo!
         
Porém a disputa deixou sequelas que não foram resolvidas pelo acordo e a pior de todas foi o assassinato do general Teodósio pai, disfarçado como "execução sumária por ordem imperial", não ficando esclarecido se a ordem partiu de Graciano ou do infante Valentiniano II, através de sua mãe e regente Justina. Embora não se saiba muito bem o papel do velho Teodósio na disputa, tudo indica que ele ficara ao lado de Justina, de quem era amigo íntimo devido à estreita amizade que mantinha com o seu falecido marido. Ademais, não havia razões para Valentiniano querer deserdar o seu primogênito, e é possível que tudo tenha sido invenção da própria Justina em conluio com o seu amigo ministro. Se foi assim, o velho Teodósio, por seu peso militar e político, era uma pedra no sapato de Graciano e este teria decidido se livrar dele, mas não é de se excluir a versão de que ele teria rompido com Justina e esta mandara eliminá-lo porque a sua ida para o lado de Graciano mudaria definitivamente o peso da balança.

Moeda do século IV com a efígie de Teodósio, supostamente nomeado imperador
do Oriente por Graciano, imperador romano do Ocidente
         
Fato é que devido a ignominiosa morte do seu pai, o jovem Teodósio, que servia no Oriente sob as ordens de Valente, desgostou-se de toda a família imperial e demitiu-se do exército, afastando-se da política para cuidar dos seus vastos negócios na sua Espanha natal.
         
É aí que a história fica embaralhada. A derrota e morte do imperador Valente na batalha de Adrianópolis foi em agosto, mas a história oficial diz que dois meses depois Teodósio estava na Grécia assumindo o trono oriental após ser nomeado por Graciano, o qual, desde a derrota e morte do tio em combate, voltara para a Itália e lá se entrincheirara no aguardo de uma possível marcha dos godos sobre Roma. A indagação que se impõe é: como e por que razão poderia Graciano tão rapidamente ter chamado na Espanha o seu suspeitoso desafeto e o nomeado Imperador do Oriente?
         
É mais lógico pensar que os fatos se passaram de modo diferente.

Creio que, informado ainda no final de agosto da derrota de Valente e da sua morte em batalha, Teodósio imediatamente embarcou para a Grécia com um punhado de altos oficiais seus partidários e no final de setembro já estava lá tramando a sua eleição junto aos antigos colegas sobreviventes do desastre, com os quais certamente deveria ter estado em contato nos dois anos posteriores ao assassinato do seu pai por Graciano. Como Valente não tinha filhos, o lógico é que ele viesse a ser sucedido por um dos seus generais e não pelo seu distante sobrinho Graciano, com o qual os altos oficiais não tinham qualquer aproximação ou afinidade.

O assassinato do estimado e admirado velho general Teodósio por membros da família imperial deve te-los colocado contra os herdeiros de Valentiniano e ao lado do popular e jovem colega Teodósio filho para o caso de uma eventual sucessão. É lícito supor, portanto, que a ascensão de Teodósio ao trono do Oriente se deveu a uma conspiração do alto escalão militar oriental em andamento há tempos, e não a uma escolha de Graciano. Este  limitou-se a reconhecer o fato consumado, pois não tinha como se opor, eis que mal podia defender dos bárbaros a Itália mediocremente governada por sua madrasta, que dirá envolver-se em guerras civis em lugares distantes por ele desconhecidos, ainda ocupados em parte pelos godos. Melhor cuidar dos seus já enormes problemas no Ocidente e deixar outros problemas mais longínquos a cargo de quem tivesse poder e competência para fazê-lo.

A conclusão correta é que Graciano nem chamou nem nomeou Teodósio, e o que ocorreu foi um Golpe de Estado articulado por este e por seus amigos generais sobreviventes do massacre de Adrianópolis. Tudo muito diferente da bem comportada versão oficial, contando o episódio como se a sucessão tivesse sido feita em perfeita obediência aos trâmites legais, tão ao gosto dos devotos historiadores da Idade Média ansiosos por glorificar o seu ídolo Teodósio, que varrera os últimos vestígios de paganismo no Império e fora por isso apelidado de Teodósio o Grande.

         



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