terça-feira, 17 de maio de 2011

Post nº 38

O  ASSASSINATO  DO  GENERAL  STILICON,
ÚLTIMO  DEFENSOR  DE  ROMA  CONTRA
AS  INVASÕES  GÓTICAS  


Stilicon, penúltimo grande general romano. Depois só haveria Aécio.
Este é o único retrato de corpo inteiro que temos dele.

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             O general Flávio Aécio conta ao seu amigo Ambrosius Aurelianus, governador da Britannia, como ocorreu o traiçoeiro assassinato do general Stilicon, um dos mais brilhantes comandantes militares da história do Império Romano. Leiamos:

           
Em 408 o general Stilicon, primeiro ministro do Império e comandante do Exército, foi assassinado numa absurda intriga palaciana e perdemos o nosso mais competente estadista e chefe militar. Seu assassinato ocorreu do modo mais sórdido que se possa imaginar!  Ele passava a maior parte do tempo ausente da Corte, lutando no campo de batalha contra hordas bárbaras invasoras ou fazendo alianças políticas e militares que o ajudavam na sua árdua tarefa. Por isso não percebera que em torno do imbecil imperador Honório ia aos poucos tomando forma uma sinistra conspiração de aduladores e generais burocratas, covardes que fugiam dos combates como o diabo foge da cruz.

Em 402 ele se desentendera com Alarico, rei dos Visigodos, e este deixara os acampamentos onde estava provisoriamente instalado na Ilíria para invadir o nordeste da Itália. Stilicon o derrotou numa grande batalha, e ele voltou humilhado às suas bases com o seu povo infeliz, que vagava pela Europa em busca de um território para se estabelecer definitivamente. O Império enganara os Visigodos várias vezes com solenes promessas nunca cumpridas, o que fazia com que eles nos odiassem cada vez mais. De nada lhes valera serem um povo trabalhador e cristão, pois as traições que lhes fizéramos deviam-se ao fato deles serem da seita cristã ariana, tida como herética pelos cristãos católicos que dominavam a Itália e a Corte Imperial.

Stilicon se esforçava por manter os godos quietos, não os perturbando em seus acampamentos na Ilíria e ordenando fossem bem tratadas as muitas famílias góticas estabelecidas na Itália. Também alistava jovens godos no exército e dava dinheiro a Alarico, não só porque ele lutara ao seu lado na batalha do rio Frígido em 394, mas porque queria evitar que o seu antigo aliado voltasse a fazer novas estripulias na Itália. Essa hábil política de apaziguamento fazia com que as suas relações com os godos não fossem de todo ruins, e poderiam até ter sido muito boas se não fosse pelas diferenças religiosas existentes entre os godos e os italianos.

Stilicon derrotou Radagásio numa série de batalhas memoráveis
                      até que finalmente destruiu seu exército e o executou

Dois anos depois da guerra com Alarico e quando os ânimos já tinham serenado bastante, Stilicon se viu diante de uma ameaça muito mais grave: o chefe bárbaro Radagásio organizara poderosa confederação de tribos germânicas e destruíra as guarnições romanas do Rio Danúbio! Depois viera para o oeste e devastara a Gália oriental.

Mas ao invés de submeter toda a Gália, Radagásio sentiu-se encorajado pelas fáceis vitórias até então obtidas contra poucas e fracas legiões imperiais,  cruzou os Alpes e assolou o noroeste da Itália achando que estávamos muito enfraquecidos. Foi um engano fatal, pois Stilicon preparara-se com esmero e enfrentou o seu exército muito mais numeroso perto de Milão, rechaçando-o e forçando-o a marchar para o sul onde poderia minar o seu poderio e enfrentá-lo melhor. Depois o derrotou numa série de batalhas memoráveis, empurrando-o de volta ao norte numa campanha de desgaste. Por fim, o cercou nas imediações do lago Como, quase no sopé dos Alpes, massacrou o que restava do seu exército, o aprisionou e o executou como exemplo aos outros chefes bárbaros que planejavam invadir o Império.


Ao contrário de Radagásio, os civilizados visigodos
                            de Alarico tinham bom diálogo com Stilicon

A fama e o prestígio de Stilicon subiram às alturas, mas, curiosamente, suas grandes vitórias foram a causa principal da sua queda, pois a inveja dos generais palacianos atingiu níveis altíssimos e a conspiração ficou cada vez mais perigosa. Para completar, as recentes batalhas tinham deixado o Exército muito enfraquecido e Stilicon voltara-se para o único povo guerreiro que estava logo ali na Ilíria e poderia lhe prestar substancial ajuda: os Visigodos! Apesar da desavença que ele tivera com Alarico, ambos já tinham sido aliados no passado e Stilicon, mesmo depois de tê-lo derrotado e obrigado a voltar aos seus acampamentos na Ilíria, mantivera aberto um canal de comunicação entre os dois. Por isso começaram a negociar secretamente nova aliança, mas a coisa transpirou e houve enorme escândalo porque, devido às constantes estripulias dos bárbaros no território italiano, o ódio contra eles era imenso e o povo era incapaz de entender as altas considerações de ordem política, militar e estratégica que levavam Stilicon a buscá-los como aliados. A pergunta que todos se faziam era: “se ele os derrotou, por que precisa do seu apoio”? Para muitos, o general se tornara renegado e traidor.

No final, foi o excesso de confiança em seu ex-tutelado e genro, o imbecil imperador Honório, que o arruinou. Inconsciente do perigo que o cercava, Stilicon deixava as suas tropas em seus quartéis de campanha e dirigia-se a Ravena com uma pequena escolta, pois tinha absoluta confiança nos oficiais e soldados da guarda imperial, péssimos para combater, mas ótimos para conspirar e assassinar.
           
Ele estava em casa quando foi informado de que a guarda se revoltara e o imperador o mandara prender. Aturdido, o general fugiu às pressas antes que os soldados chegassem e, impossibilitado de pedir socorro ao seu exército acampado distante, refugiou-se em uma igreja. Depois de muita negociação, Honório lhe prometeu imunidade caso deixasse o santuário, dizendo que lhe seria permitido viver pacatamente o resto dos seus dias em suas vastas propriedades rurais. Confiante na palavra do seu ex-tutelado, ele saiu da igreja onde se refugiara, mas foi preso e degolado ainda nas suas escadarias. Na ocasião seu filho Euquério, noivo de Placídia, fugiu para Roma, onde pouco depois foi preso e executado. Temerosa de que a intenção dos conspiradores fosse eliminar toda a família, Serena se refugiou em um mosteiro e depois se exilou em Roma com o que dela restara.


Honório era imbecil e é difícil entender por que
                         Stilicon o deixou governar o Império

Um dos fatos intrigantes na época foi o procedimento de Placídia, irmã caçula de Honório que morava na casa de Stilicon: ela aproveitou-se da confusão e fugiu para junto do irmão no palácio imperial ao invés de ficar com a família que a acolhera durante anos! Houve mesmo um boato dizendo que ela não erguera um dedo em defesa do seu tutor ou da infeliz família que a criara.

A versão dos conspiradores para justificar a abominável atrocidade foi a de que o ex-ministro estaria preparando um golpe de estado devido à incompetência e maluquice de Honório. Isto é pura balela, pois se Stilicon quisesse tomar o trono telo-ia tomado quando Honório era ainda menor e já mostrava sinais de idiotia. Teria sido fácil fazê-lo, pois na época ele detinha todos os poderes do Estado e era muito popular no exército, bastando uma ordem sua para que a coroa lhe fosse entregue de bandeja! Também se disse que ele queria forçar o casamento de Placídia com Euquério para colocar este no lugar de Honório no trono do Ocidente ou de Teodósio II no trono do Oriente, mas isto seria de todo ilógico e só pode ser atribuído à ânsia dos criminosos em quererem justificar o injustificável.

A verdade, segundo os doutos, parece ser muito mais simples. Stilicon, a quem Teodósio pouco antes de morrer nomeara Regente do Império durante a menoridade do seu herdeiro Honório, fazendo-o também tutor do garoto e da sua filha caçula Placídia, acumulara enormes riquezas durante a Regência e fizera muitos inimigos devido a sua avidez. Tornara-se duro e orgulhoso, agindo como se fosse o imperador mesmo depois do seu pupilo ser coroado. Embora fosse um bobo, Honório ficara ressentido com a arrogância do seu ex-tutor, e nem mesmo os idiotas gostam de receber ordens de quem lhes é inferior. Stilicon, apesar de ser ainda militarmente forte, também perdera apoio no Exército depois que recrutara milhares de mercenários bárbaros e adotara vários dos seus costumes, armamentos e uniformes para agradá-los. Devido à sua impopularidade, foi fácil aos seus inimigos conspirarem e obterem o sinal verde do imperador para o golpe e a subseqüente tragédia. Estas foram as razões da sua queda segundo os entendidos em política.

Porém anos depois eu soube de outra versão através de um amigo muito bem informado sobre o que se passava na intimidade da família imperial. O imperador Teodósio tinha enorme apreço por Stilicon, não só pelo seu talento militar e lealdade política, mas também porque o tinha como membro da família imperial por ser casado com a princesa Serena, sobrinha a quem o imperador amava como filha. A principal razão para nomeá-lo também tutor de Placídia fora, portanto, o fato de haver parentesco de sangue entre a menina e a sua sobrinha, esposa do seu valoroso general.

Serena, sobrinha de Teodósio e esposa de Stilicon, criou os primos
                          órfãos Honório e Placídia pelos quais foi traída 

Sendo muito rígida, a princesa Serena criara a pequena prima órfã na mesma disciplina das filhas, e quando Placídia ficou moça quis casá-la com o seu filho Euquério sem mais demoras, pois ambos estavam prometidos um ao outro desde crianças. Placídia rejeitara cumprir o ajustado pelos pais e ocorrera grave discussão entre as duas, no curso da qual Serena a esbofeteara, fazendo-a queixar-se a Stilicon. Mas este ficara ao lado da esposa e a orgulhosa princesinha tivera que engolir a afronta; quando a oportunidade da vingança apareceu, ela não perdeu tempo: fugiu para junto do irmão e lá o aconselhou a quebrar a imunidade concedida ao ministro deposto.

Vingada do antigo tutor que dela fizera pouco caso, faltava vingar-se da prima que a criara e a insultara. A oportunidade veio no ano seguinte, quando os Visigodos cercaram Roma, onde Serena vivia exilada. Um grupo de senadores ligados a Honório foi instigado por Placídia a acusá-la de manter negociações secretas com Alarico, tal como fizera antes o seu marido Stilicon e o seu filho Euquério. Verdade ou calúnia, Serena foi presa, torturada e executada!

Placídia, depois rainha dos Visigodos e imperatriz-regente de Roma, traiu
             sua prima e mãe adotiva Serena, prendendo-a e executando-a

Olhando para o teto, Aécio concluiu com tristeza o relato do sórdido episódio: "Segundo esta abominável versão, Placídia seria a verdadeira culpada pela traiçoeira morte de Stilicon, para a qual havia razões políticas e militares, e a insensata morte de Serena, para a qual não havia razão alguma. Certa vez a questionei e ela se recusou indignada a tocar no assunto, mas conhecendo-a como a conheço hoje penso que esta cruel explicação dos fatos pode ser verdadeira, pois muitas coisas terríveis, cujas causas atribuímos a altas razões de estado, não passam de fruto podre de abjetas mesquinharias pessoais".        

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