domingo, 27 de março de 2011

Post nº 32

A  LENTA  ASCENSÃO  DE  CÉSAR  AO  PODER  ABSOLUTO

Júlio César no auge do seu poder militar e político



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César nasceu no ano 100 AC no seio da aristocrática Gens Julia, uma das mais nobres e tradicionais de Roma. O ano é importante porque é também o da publicação do famoso poema de Lucrécio De Rerum Natura, primeira obra-prima da Literatura Latina e através do qual conhecemos a filosofia de Epicuro, pois nenhuma obra do filósofo grego chegou até nós. Na época, liderava Roma o ilustre general Mário, chefe do partido liberal e tio postiço de César, pois o general viera da Plebe e se tornara Patrício pelo casamento, tornando-se membro da Gens Julia. Ele partilhava com o general Cina a chefia do partido liberal (populare), defensor de reformas democráticas em oposição ao partido conservador (optimates) sob a chefia do general Sila, o qual insistia em manter o status quo social e político da República. É difícil dizer qual dos partidos era mais sanguinário, pois ambos se excediam na repressão tão logo obtinham temporária hegemonia, mas em meio as terríveis guerras civis os cidadãos comuns se esforçavam por dar curso normal às suas vidas e embora desse seu voto ao general Mário, seu parente adotivo, a família mantinha-se alheia às suas reformas e brigas políticas, nelas não se envolvendo. Quando Mário morreu, Cina continuou na chefia dos populare e casou sua filha com César, na época recém saído da adolescência e sobrinho do seu falecido aliado.

Os jovens nobres casavam assim que podiam procriar e César casou aos dezesseis
anos com a filha do então ditador Cina. Escultura romana "O Casamento"

Como todo jovem da alta aristocracia, César teve educação esmerada. A diferença é que ele era não só bonito e elegante como inteligente e estudioso. Além disso era bom desportista e se saía bem na equitação, natação e esgrima. Quando casou, dominava o latim, o grego e conhecia o que de melhor havia em história, filosofia e literatura. Sua simpatia, cultura e elegância trouxeram-lhe imediato sucesso social, e poucos anos depois do casamento ele jogou-se em turbilhão de aventuras galantes com damas da alta sociedade, fazendo-o ganhar o jocoso apelido de marido de todas as mulheres. Mas isso o prejudicou porque alguns maridos enganados ameaçaram processá-lo por devassidão e ele embarcou às pressas para uma longa viagem pelo Oriente, onde foi recebido como refinado príncipe romano pelos reis aliados de Roma. O luxo e a licenciosidade das cortes orientais o fizeram entregar-se à mais total libertinagem, que chegou ao ápice quando o belo e efeminado rei da Bitínia por ele se apaixonou e tornou-se sua “rainha”.

No Oriente não se dava importância à homossexualidade, mas em Roma era coisa grave e vergonhosa. Também não se descarta a possibilidade de que tudo não tenha passado de calúnia, pois devido à aversão que os romanos tinham à sodomia era usual eles se insultarem atribuindo aos inimigos a infame prática. Verdade ou mentira a história espalhou-se e o escândalo foi enorme, mas devido a sua fama de mulherengo ele apareceu como polo ativo da insólita "relação". Com isso não se conformaram os maridos enganados e espalharam que a verdade era outra: César é que se tornara a “rainha” do reizinho e não o contrário! Por isso ao seu apelido de marido de todas as mulheres adicionaram o de mulher de todos os homens! Diante do escândalo, a sua nobilíssima família ficou horrorizada e mandou que ele se recolhesse ao anonimato, indo estudar em alguma escola grega de filosofia por uns tempos.

Quando voltou, Roma passava por uma de suas habituais graves crises políticas e não havia tempo nem lugar para frivolidades. Os escândalos estavam esquecidos e César foi bastante esperto para reiniciar sua vida social com toda a discrição e sobriedade de que era capaz quando necessário, mas continuou sua carreira de incorrigível mulherengo, só que agora usando de máximo disfarce e prudência.

César ao redor dos trinta anos de idade no início de sua carreira
         
Quando seu pai faleceu, ele herdou-lhe a enorme fortuna e o cargo de senador. Seus novos colegas não lhe deram importância porque o julgavam apenas um jovem dissoluto e irresponsável, mas ele pensava diferente e jogou com a sua enorme simpatia e poder de sedução para obter livre trânsito entre conservadores e liberais. Também passou a discursar sobre assuntos do interesse geral e que não criavam dissensos, coisa que o tornou mais simpático ainda. Para surpresa de todos, César revelou-se ótimo orador e ambos os partidos passaram a disputá-lo, mas ele se manteve neutro e buscou eleger-se para um cargo público importante.

Por essa época caiu nas boas graças do nobre Crasso, detestado por sua avareza e crueldade, porém era o homem mais rico de Roma e com o seu auxílio César buscou um cargo que lhe desse projeção, mas que não fosse muito difícil de alcançar. O menos disputado era o de Pontifex Maximus porque além de não ter poder político forçava o titular a custear dispendiosas cerimônias religiosas em dias especiais. Por isso o davam como prêmio de consolação a algum velho e rico senador que prestara bons serviços ao grupo dominante e queria ser recompensado com uma nobre honraria. César, apesar de jovem e de não ter boa reputação, conseguiu o cargo sem grande dificuldade e logo lhe deu nova dimensão. Além de presidir com pompa as cerimônias habituais, ressuscitou outras esquecidas, o que lhe deu excelente conceito entre os conservadores por seu "apego às velhas tradições". Também passou a visitar os templos com vistosas vestes talares e brilhantes comitivas em dias de grande afluência popular, coisa que lhe deu visibilidade e prestígio entre o povo. Com habilidade botou os sacerdotes na linha e fiscalizou severamente as rendas dos templos, não só para custear as muitas cerimônias com o esplendor de antigamente como para manter e consertar templos em sério estágio de deterioração. Por outro lado o aumento das rendas religiosas lhe permitiu criar uma rede de assistência aos pobres, às viúvas e aos órfãos, de sorte que além de agradar os conservadores com o seu "amor à tradição" ganhou o aplauso do povo e dos liberais.

Ao findar o seu mandato César era um dos políticos mais populares de Roma e o Senado lhe deu a incumbência de ir pacificar a Espanha, onde estavam ocorrendo graves distúrbios. Contam que lá vira uma estátua de Alexandre Magno e começara a chorar; quando lhe indagaram a causa do choro ele respondera: “Na minha idade Alexandre já conquistara o mundo, mas tudo que eu conquistei até agora foi um bando de mulheres e um cargo público de segunda classe”!

O cargo de Pontifex Maximus era importante, mas tinha significado apenas religioso.
Anos depois tornou-se privativo do imperador. Estátua de Augusto no seu exercício 

Ao voltar, decidiu que não havia mais tempo a perder, pleiteando e obtendo várias magistraturas, entre as quais o importante cargo de Tribuno do Povo. Em sua origem ele era privativo dos plebeus, mas com o passar dos séculos veio a ser exercido também por nobres simpáticos à plebe. O tribuno do povo não só podia vetar leis do senado referentes à plebe como podia fazer parar agressões que um nobre estivesse a praticar contra um plebeu; para tanto lhe bastava levantar a mão direita e a pena de morte era aplicada a quem o desrespeitasse. Por isso sua pessoa era sagrada! Seus poderes tinham sido diluídos porque, com o crescimento da cidade, agora havia vários tribunos do povo e o poder de veto só podia ser exercido por decisão unânime deles, mas a sacralidade de sua pessoa e o seu poder de parar agressões continuavam intactos. O grande problema era que o titular tinha que ser eleito pela plebe, mas para César isso não era difícil devido à sua popularidade e foi eleito. Ele fez o máximo para continuar com a sua política conciliatória, mas o cargo o obrigava a defender as reivindicações populares e isto o aproximou dos liberais, afastando-o dos conservadores.

O cargo de Tribuno do Povo era importantíssimo e seu titular era sagrado, mas era muito
perigoso porque defendia interesses populares opostos aos da aristocracia

Apesar de ser um genuíno membro da alta aristocracia, coisa que naturalmente o inclinaria para o partido conservador (optimate), ele optou pelo outro lado e em pouco tempo todos já o tinham como um dos líderes do partido liberal (populare), mas apresentava suas propostas com tanta simpatia e maestria que a maioria dos conservadores também as apoiava e ele vencia sem deixar mágoas. Por essa época tornaram-se célebres as suas disputas oratórias com Cícero, um dos maiores oradores de todos os tempos e líder dos ultraconservadores, o qual passou a ver em César um grande perigo, mas a gentileza deste sempre o desarmava e criava entre eles um ambiente bastante cordial.

Cícero era o maior orador da sua época e um dos maiores de todos os tempos, mas
não metia medo a César, que no senado o enfrentou de igual para igual

Suas relações com Cícero ficaram bastante tensas quando este era cônsul e ocorreu a revolta do senador Lúcio Catilina, apoiada pela ala radical do partido populare. Durante a fase preparatória da revolta vários partidários de Catilina foram presos, e em seu julgamento perante o senado Cícero pediu para eles a pena de morte. César apoiara Catilina contra Cícero nas eleições do ano anterior para o cargo de Cônsul, mas não se envolvera na conspiração e procurando apaziguar os ânimos fez veemente defesa dos acusados, alegando que represálias extremas só serviriam para tornar inevitável a iminente guerra civil. Por isso advogou pena mais branda, que não deixando impune o crime também não deixasse indefesa a República, mas suas sensatas palavras não foram ouvidas e os réus foram executados. Isto lhe serviu de advertência, fazendo-o afastar-se do turbilhão reinante, mas quando a revolta explodiu ele a desaprovou e ficou discretamente ao lado dos conservadores, caminho que também foi seguido por seus colegas liberais moderados. Isso não melhorou suas relações com Cícero, mas atenuou muitas das mútuas graves desconfianças até então existentes.

Passada a tormenta, tudo pareceu voltar ao normal, mas Cícero cometera graves arbitrariedades e foi chamado a responder por elas após findar seu mandato, sendo condenado ao exílio perpétuo na Grécia. Embora apoiasse o processo contra Cícero, César discordara da pena severa e advogara na surdina a anistia do grande orador. Quando ela foi aprovada, Cícero lhe ficou muito grato e passou a manter com ele relações bastante cordiais, tanto no campo intelectual como no campo político, embora o seu excessivo conservadorismo o mantivesse sempre em guarda contra o liberalismo de César, mesmo sendo ele moderado e bastante aceitável pelas elites.
            
César já era um dos políticos mais eminentes de Roma quando decidiu patrocinar a carreira política de um até então obscuro jovem senador ligado aos ultraconservadores. Anos antes tivera um ardente caso amoroso com a sua mãe, a nobilíssima viúva Servília, e o conhecera ainda menino, pois o jovem era dezesseis anos mais moço. César afeiçoara-se muito ao garoto, que muitos suspeitavam ser seu filho, pois não descartavam a hipótese de que César fosse mais velho do que dizia e seu romance com Servília datasse de antes da viuvez, somente se tornando público depois. Fato é que quando o rapaz chegou à maioridade e ocupou a vaga de senador do pai, César o manteve entre os seus íntimos. Depois o incentivou a participar ativamente da política e deu-lhe grande apoio, conservando-o junto a si como um dos amigos mais queridos.
         
O futuro grande guerreiro e estadista ainda não sabia, mas enquanto marchava para o poder supremo ele pusera ao seu lado perigosíssima serpente.

O nome do jovem senador era Brutus!



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